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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Sobre os fundamentos da arte tradutória

Não se pode razoavelmente exigir do tradutor toda a bagagem teórica de um gramático, de um linguista, de um filólogo, de um lexicógrafo, etc. Tradutor é tradutor. Sua tarefa é essencialmente prática e consiste em traduzir, não em teorizar.

Não quer isto dizer que seja bom para o tradutor ignorar solene e completamente a base teórica diretamente associada a sua lida.

A profissão já conta hoje em dia com um respeitável costado teórico, inclusive publicações que tratam exclusivamente de questões tradutórias e cursos em nível superior dedicados à formação do profissional. Por mais importante que tudo isso seja, entretanto, é invariavelmente na prática que se forja o bom profissional.

Erros de tradução costumam ser muito facilmente encontráveis. É lamentável, mas eles ocorrem em tal profusão, que nem mesmo as melhores traduções estão totalmente isentas de sua presença. Quanto às traduções feitas às pressas (e ainda por cima por quem não dispõe de suficiente embasamento teórico para transitar entre línguas e culturas e redigir aceitavelmente pelo menos numa), os erros são, infelizmente, bem mais gritantes e corriqueiros do que seria desejável.

Pois bem, os erros de tradução até podem, em casos extremos, resultar em ponte que cai, navio que afunda, sentença desfavorável, fortuna que se perde, paciente que morre ou qualquer coisa congênere. De costume, no entanto, eles não chegam a ter consequências tão desastrosas. Fora o fato de divertir quem deles toma conhecimento, ao que parece eles não servem para praticamente mais nada. O que é uma pena. Kant em sua ‘Crítica da Razão Prática’ ensina: “...a nossa ignorância nos prestaria mais serviço na ampliação do nosso conhecimento do que todas as meditações”. Tenho a consolidada impressão de que todos nós aprendemos incomparavelmente menos do que poderíamos com tal abundância de mancadas.

Não trabalham de uma forma que deponha a seu favor os tradutores que se confundem insistentemente com os chamados falsos cognatos (traduzindo, por exemplo, ‘actually’ como ‘atualmente’, ‘spectacles’ como ‘espetáculos’, ‘ultimate’ como ‘último’ e assim por diante), ou que erram repetidamente em questões banais de concordância ou de regência, amiúde por conta da literalidade, ou que ignoram as implicações dos registros formal e informal, ou que cometem o tempo inteiro ‘pecados’ dessa ordem.

A negligência com esse tipo de coisas leva a suspeitar de um despreparo e insuficiência de conhecimentos propedêuticos justamente sobre o material do próprio trabalho.

Vale longe a pena o esforço de aprender bem pelo menos os rudimentos de morfologia e de sintaxe das línguas de serviço. É uma necessidade imperiosa, cujo desatendimento pode (e costuma) comprometer a qualidade do trabalho, e consequentemente a reputação do profissional.

Obras de referência quer físicas, quer virtuais, vêm sendo subutilizadas por tradutores (e outros profissionais que delas se servem), tanto porque lhes falte uma série de informações prévias (normalmente contidas na própria obra) como por conta de suas próprias deficiências perceptivas. No fim das contas, o tradutor se serve frequentemente de várias ferramentas, algumas bastante sofisticadas, que oferecem muito mais do que, na prática, ele logra extrair delas. Certos detalhes, se devidamente considerados, podem fazer um diferença decisiva em tradução, principalmente quando existe o tempo para se atentar a eles e o suficiente conhecimento de causa.

Ninguém pode sair dirigindo um automóvel antes de aprender a dirigir porque é perigoso. Ninguém pode usar legalmente um bisturi sem saber direitinho pra que serve e como se usa. Já de cumprir certos requisitos para consultar dicionários com máximo proveito, parece que pouca gente faz questão. Talvez aí mesmo esteja a causa de tantos problemas com a qualidade geral das traduções.

5 comentários:

Lais Castro disse...

Oi João, sabe, eu penso que gostaria de ser tradutora! Para mim, é uma atividade muito interessante. Só que o meu conhecimento de idiomas é tão limitadinho! lol

João Esteves disse...

Que bom, Laís. Ninguém começa em nenhuma atividade já com experiência. Esta só vem com o tempo e não existem atalhos.
Segundo um ainda muito acreditado e dificilmente contestável princípio Montessoriano, só se aprende a fazer, fazendo. Serve pra tudo, seja nadar, dançar, dirigir automóvel, tocar um instrumento, traduzir, ler, falar uma língua, qualquer coisa, mesmo.
Um bom embasamento teórico sempre faz grande diferença, só que não é tudo. Tem-se também que praticar, praticar e praticar.
Você já escreve bem, compulsa boas fontes e sabe extrair delas os dados essenciais, sabe apresentá-los de forma digerível e interessante. Vejo isto por exemplo com as etimologias que você apresenta lá no Pátria Amada. Não tenho dúvidas de que daria uma boa tradutora.

Salete Cardozo Cochinsky disse...

Amigo João
Um excelente serviço prestas com esse Bolg.
Concordo que é a prática que forja qualquer profissão, ou melhor para o exercício de um ofício.
Mas sim, é necessário também adquirir conhecimentos universais, pesquisas que às vezes tomarão toda a nossa vida para que possamos exercer com responsabilidade.
Então: a práxis é o caminho.
Que continuemos nossa caminhada.
Beijos

João Esteves disse...

Amiga Salete, obrigado pela visita e pelos comentário deixado. Exercer com responsabilidade, perfeito.
Beijos.

Lais Castro disse...

Oi João, pois é... estávamos "exilados" um do outro... espero que tudo esteja bem contigo! Abraço.