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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Rimas para Jesus

As canções gospel não são só produtos fonográficos. São hinos de louvor, também. Sua eficácia como tal só Deus mesmo, para bem avaliar.

Agora, na qualidade de simples produtos fonográficos, asseguro: da grande maioria das que tenho ouvido (as mais das vezes involuntariamente), francamente não gostei, mesmo. Poucos são os compositores que põem em seus trabalhos o mesmo cuidado que põe um Sérgio Lopes. Este declarou ter ficado um ano inteiro com uma canção inacabada por conta de uma única palavra. Tal zelo se reflete em seus trabalhos, sempre bons, mas trata-se infelizmente de um caso bastante atípico, no gênero.

A questão da rima para Jesus não passa de uma questiúncula somenos. Pode ser que eu esteja ficando ranzinza. Mas esse negócio de Jesus rimar bobamente com 'cruz' ou 'luz', confesso que tenho achado um tanto quanto irritante.

Bastaria consultar um dicionário para o compositor ou poeta enriquecer consideravelmente o leque de possibilidades de rimas neste caso específico (ou em qualquer outro, de passagem se diga).

O repertório do Aulete Digital apresenta, para verbos terminados em “*uzir”, nada menos que os 36 seguintes:

abduzir aduzir aluzir entreduzir auriluzir coproduzir conduzir contraproduzir deduzir desluzir duzir eduzir entreluzir estreluzir induzir introduzir luciluzir luziluzir luzir noctiluzir nuzir preluzir produzir reconduzir reduzir reintroduzir reluzir reproduzir retraduzir seduzir sobreluzir teleconduzir traduzir transluzir trasluzir e tremeluzir.

Basta colocar qualquer um deles na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, e podemos dizer sem susto que algo ou alguém respectivamente:

abduz aduz aluz entreduz auriluz coproduz conduz contraproduz deduz desluz duz eduz entreluz estreluz induz introduz luciluz luziluz luz noctiluz nuz preluz produz reconduz reduz reintroduz reluz reproduz retraduz seduz sobreluz teleconduz traduz transluz trasluz e tremeluz.

Com a busca “*por”, encontramos instantaneamente mais 44 verbos da mesma família, a saber:

antepor antrepor apor circumpor compor contrapor contrapropor decompor depor descompor desapor descompor desimpor despor dispor entrepor estrapor expor extrapor impor indispor interpor justapor opor pospor predispor propor pressupor propor recompor reimpor repor repropor redispor sobpor sobrepor sopor sotopor subpor superpor supor transpor traspor e trespor

A primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo, é, respectivamente, eu:

antepus antrepus apus circumpus compus contrapus contrapropus decompus depus descompus desapus descompus desimpus despus dispus entrepus estrapus expus extrapus impus indispus interpus justapus opus pospus predispus propus pressupus propus recompus reimpus repus repropus redispus sobpus sobrepus sopus sotopus subpus superpus supus transpus traspus e trespus.

Nada menos que oitenta opções de rima para Jesus, só até aqui.

Algumas palavras terminam em “*uz”. É o caso de capuz, mastruz, truz, e vários etcéteras. Elas são invariavelmente oxítonas, e rimam com Jesus, também.

Outras, muitas outras, terminam em “*us”. Neste caso é só catar da lista as oxítonas. É fácil. Se estiverem grafadas corretamente no dicionário (nem sempre é o caso, advirta-se), elas seriam as que aparecem sem acento. Algumas, ou mesmo várias, podem servir pra rimar com Jesus.

E ainda temos todas as palavras oxítonas da língua portuguesa terminadas em “*u”. O referido dicionário que utilizei não oferece a lista por ser longa demais. Cabe então buscar e quiçá listar. Claro que só interessariam as que comportassem plural e fossem adequadas semanticamente. Ainda assim seriam, de fato, muitas.

Compor um bom verso rimando Jesus com, por exemplo, arcabuz, perus, pus (substantivo), urubus ou qualquer coisa do gênero exige um talento que eu simplesmente não tenho e por isso mesmo nunca me dispus a sequer tentar. No entanto, estou convencido de que quem desse os devidos tratos à bola conseguiria, sim.

O que quero dizer com tudo isso é que não existe a menor necessidade de rimar Jesus tão banal, previsível quase invariavelmente com 'cruz' ou 'luz'. Esta rima já está pra lá de desgastada.

Bem, a idade me vem chegando. Não é de se esperar que minha ranzinice melhore. Mas se pelo menos estas canções melhorarem...

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Palavras

Nas palavras de cada língua, a alma de um povo pelo menos, o que fala esta língua.

Isto porque há línguas faladas por mais de um povo (por exemplo, o inglês, o espanhol, o nosso português e várias outras), assim como há povos falantes de mais que uma língua (por exemplo, os canadenses, os suíços e alguns outros).

Cada língua é formada de "células", por assim dizer. São suas unidades constitutivas a que chamamos palavras.

Ora, definir (ou mesmo distinguir) o que é uma palavra não é tão fácil quanto talvez pareça.

Experimente contar as palavras de um texto qualquer escrito num idioma que lhe seja completamente incompreensível. Você naturalmente contará as unidades gráficas que estiverem limitadas por espaços, como faz qualquer editor de texto eletrônico. Obterá desta forma um determinado resultado numérico, que acreditará correto. Mas dificilmente esta contagem estará correta.

Digamos que o idioma ininteligível para você fosse o alemão. Você na certa contaria como duas palavras cada verbo "trennenbar". Isto porque a parte de base de tais verbos alemães aparece antes, em geral bem antes de um característico prefixo separável, que vai geralmente lá para o final da sentença. Assim, o verbo que figura nos dicionários como "aufstellen" pode (e costuma) aparecer nos textos como "stellen ... auf". O verbo "aufmachen" como "machen ... auf". Por outro lado, o idioma alemão permite a formação de compostos longos. Pode-se dizer com um só desses "palavrões" teutônicos algo como "a maçaneta da gaveta da mesa do gabinete do ministro de estado das relações exteriores" ou qualquer esquisitice congênere. Isto naturalmente seria contado como uma palavra só, pela aparência. A contagem feita apenas pelos elementos radicais demarcadas por espaços acabaria por refletir um número completamente falso, e bem discrepante do número real de palavras.

Existem coisa de seis mil línguas no mundo, a esmagadora maioria das quais são línguas ágrafas, línguas sem sistema de escrita. Quando se trata de definir ou identificar o que é ou o que não é uma palavra, não é de se admirar que a coisa se complique até o limite do acreditável.

Vemos nos dicionários aquelas unidades chamadas verbetes ou entradas que tratam de palavras isoladas, ali definidas, explicadas e exemplificadas como o que são - palavras, mesmo. Isso nos dá a impressão falsa mas muito reforçada de que as palavras isoladas existem. Na verdade não é assim. As palavras só existem em associação umas com as outras, de acordo com muitas e bem complexas regras. Mesmo quando por acaso ou convenção utilizamos uma palavra só, há um bom número de outras a ela indissociavelmente associadas naquele determinado contexto, que simplesmente ficam subentendidas. Se por convenção ou economia dissemos apenas a palavra "fogo!", quereremos dizer algo do tipo "atire agora, abra fogo!", ou então "está havendo um incêndio!"

As palavras encerram em si um enorme tesouro, por vezes bem pouco explorado. Se averiguarmos sua formação, sua origem, suas colocações, sua evolução histórica e tantos etcéteras cabíveis, veremos facilmente como elas são ricas e quantas coisas interessantes há nelas e sobre elas para se descobrir.

Estou definitivamente convencido de que se a elas nós dedicamos suficiente atenção e carinho, elas retribuem lindamente. As palavras, essa coisa meio etérea, de certa forma nos enriquecem com uma fortuna que, embora nem sempre traduzível na "outra", a fortuna atrás da qual tantos passam a vida a correr, ao menos uma fortuna intangível que não se desvaloriza nunca, que não se perde nunca e que não há quem nos possa tomar.

sábado, 8 de maio de 2010

Sábado Intelectualizado

Este sábado até que foi, além de em tudo e por tudo bastante agradável, intelectualmente produtivo.

Em muito boa companhia, fiz um passeio à Biblioteca Nacional. Incidentalmente, passamos numa farmácia e também pela impermanente feira de livros da Cinelândia.

De repente, não mais que de repente, topo numa das bancas com o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa do Mirador Internacional, que saiu do prelo em 79, faz trinta e um anos. A qualidade e a sofisticação desta obra exerceram o mais absoluto fascínio sobre o então jovem universitário que agora escreve este blog, só que naqueles idos custava dinheiro demais. Não deu e ponto. Foi com uma indescritível nostalgia que eu quis saber o preço. Como agora estava por assim dizer "a preço de banana" (o momento atual, para usar um eufemismo, financeiramente ainda não é lá dos mais confortáveis), comprei. Desatualizado em parte, sei que este dicionário, pelo que é, ainda me prestará serviços muito relevantes, bem como a alguns dos com quem convivo. Pelo menos assim espero.

Os dois volumes na hora pareciam pesar coisa de uns dez quilos. Pasavam na verdade só cinco, como mais tarde eu soube por balança. Errara longe em meu palpite, como aliás costumo, com esse tipo de coisa. Feliz da vida, finalmente os tenho, mesmo com três décadas e bico de atraso. Também, quem mandou eu ainda não ter ficado rico?

Tocamos então a pé pra BN, ali pertinho. Na seção de periódicos do andar térreo, onde também ficam as obras de referência, folheamos e lemos um pouco das maravilhas lexicográficas que ali nos aguardavam. O magistral Diccionario de Uso del Español de Maria Molíner foi a vedete da visita. Detivemo-nos em alguns de seus verbetes. Que inspiradores!

Na Internet, descobri meio que por acaso uma tese de doutoramento lusitana sobre lexicografia. Li quinze das quase quinhentas páginas em PDF e resolvi blogar um 'cadinho'. O resto não tem pressa.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Procuras

A língua tem lá seus caprichos.

Toda e qualquer língua os tem, na verdade muitos.

Um exemplo bastante simplificado em português, só para ilustrar: A ideia adjetiva genérica de "referente a dentes", pode ser expressa, indiferentemente, como

a) dental,

b) dentário/a ou

c) de dentes.

Ora, a, b e c são equivalentes, do ponto de vista semântico. Poderiam ser intercambiáveis, na imensa maioria dos casos. Mas não o são, mesmo. O emprego de um termo ocorre com exclusão dos outros, conforme o substantivo.

Assim, com creme ou fio, por exemplo, preferimos a) dental;
com escova, dor e pasta a preferência recai sobre c) de dentes.
Já para arcada, prótese ou tratamento vamos usar b) dentário.

A coisa certamente vai bem mais longe. E se trabalharmos entre línguas, então...

Por exemplo, atenção é coisa que se presta em português, mas em francês se faz e em inglês se paga, por assim dizer ( prestar atenção = faire attention = to pay attention ).

Porque as línguas são diferentes entre si e têm cada qual seus caprichos peculiares, não há correspondência exata entre as palavras de uma língua e seus equivalentes em outra, menos ainda entre arranjos de palavras de significado correspondente.

O que faz com que uma língua caprichosamente aceite uma determinada palavra ou expressão em determinadas circunstâncias, mas rejeite outra palavra ou expressão equivalente é algo intrigante.

O mesmo se dá nas outras articulações da língua.

No nível morfológico, afixos aceitáveis para determinados radicais não o são para outros perfeitamente aptos a recebê-los. Por exemplo, -udo é um sufixo que contém a ideia de algo relativamente grande, maior do que o normal, tanto em português como em espanhol. Cabeçudo, olhudo, narigudo, barrigudo, barbudo, cabeludo, etc., são corriqueiros para nós. Mas consciençudo não é. Entretanto, em espanhol se diz tranquilamente conscienzudo.

Quem encontrar uma resposta satisfatória e definitiva, terá dado um contributo relevante simultaneamente à linguística, à lexicografia, à tradução, ao ensino de línguas, bem como a várias outras áreas do conhecimento. Mas não é fácil não. Pessoalmente, venho procurando isto há muito tempo, e só sei que nunca cheguei nem perto de encontrar.

A quem também quiser entrar nessa busca, boa sorte.